Sangue sugado
Não sei ao certo o que será,
Mas eis sonora expectação:
O sol decerto surgirá
Serei porção da Criação!
Será que, sendo, crescerei?
Cerrarei cedo num caixão?
Será que cego casarei?
Transitarei na solidão?
Só sei que sonho amanhecer,
E fazer jus a plenos sábados.
Sentir num banho arrefecer
Dois corpos nus, dantes suados.
Persistirei no existir?
Serei papai sem ter receio?
Exultarei sempre ao sentir
O som do filho ao travesseiro?
Terei, ao certo, sentimentos néscios!
A vida, num triz, sairá ilesa,
Trovões de ódio, ciúmes tóxicos,
Talvez até ilusões de riqueza.
Sonho seguir a senda sadio,
Sofrer com tristeza a certa calvície,
Por fim encerrar, sereno e senil,
Passando ao céu em ditosa velhice.
Mas o sonho sumiu, só sinto a dor.
Assassinado sou, antes da infância.
Esse som surdo do sugador
Secou meu sangue e minha esperança.
— Thiago André Monteiro