Pra lá de multimídia
Toni Brandão dá show de contemporaneidade: criou um livro que veio de um game, que é sobre um filme e que se desdobra em peça de teatro. Mais: tudo em torno de um grande clássico da literatura!
Autor de grandes sucessos editoriais como Cuidado – Garoto apaixonado, Guerra na casa do João (trilogia), O garoto verde, entre muitos outros, sucesso de adoção em escolas inclusive, sempre abordando com texto dinâmico as principais questões contemporâneas da humanidade, Toni Brandão abusou. Só dizendo isso de seu Dom Casmurro, o filme. Não, não! Não é um filme, é um livro mesmo! Dom Casmurro, o filme é um novo livro de Toni, de que fala aqui em primeiríssima mão, porque está no prelo da editora Melhoramentos.
O melhor é que abaixo ele conta a história desse livro, em detalhes. Uma aula de possibilidades para autores e editores (lembrando que Toni Brandão é professor na LabPub, no curso EAD ACADEMIA DE AUTORES).
* mantivemos a escrita do Toni em caixa baixa, que dá um tom mais íntimo à conversa, respeitando estilo do autor.
LabPub – Um livro sobre um filme de um livro. Mais: o livro sobre o filme de um livro com uma peça teatral ligada a ele. Comente por favor, Toni, essa criação multimídia.
Toni Brandão – “well”… por onde começar a responder essa pergunta… vamos lá… esse projeto, na verdade, começa por um videogame… mas antes acho legal dizer um pouco (serei o mais breve possivel) qual é o meu olhar/o que move o meu trabalho… Isso é importante para chegarmos no DOM CASMURRO, O FILME!… eu acredito que não seja necessário desligar o cérebro para se divertir e nem tão pouco apagar as telas para pensar. meu pensamento (e o meu trabalho) foi moldado pela cultura pop. sou de uma geração que, se quisesse, poderia curtir algumas das mentes criadoras e sensibilidades mais brilhantes, eu diria, do Planeta – e não só do Brasil. e eu sou devoto de Shakespeare e sempre me agradou e emocionou muito mais olhar para os mistérios entre o Ceu e a Terra, o solar e o sombrio, o sagrado e o profano, a direita e a esquerda… é muito mais fácil pender para os extremos. eu nunca gostei de extremos.
Sobre DOM CASMURRO: acho Machado de Assis da dimensão de Shakespeare; especialmente no que diz respeito a olhar para as aventuras e desventuras do humano… voltando ao VIDEOGAME: fui convidado por um produtor cultural, o Celso Santiago, para roteirizar alguns games para um projeto de educação dele, patrocinado na época para a Fundação Telefônica; jogos criados desde alguns clássicos da literatura brasileira. eu criei várias interações entre as obras e a linguagem eletrônica… e fiz questão de manter uma versão do texto integral e criar uma outra versão com trechos que ajudassem o jogador a se aproximar da história, mas sem colocar uma frase de minha autoria, só inserts das obras originais. as obras são MEMÓRIAS DE UM SARGENTE DE MILÍCIAS, O CORTIÇO… e DOM CASMURRO!
quando fui reler Dom Casmurro para esse projeto, fiquei inquieto, pois a seleção que fiz dos trechos me fez sentir que daria para usar aquela mesma estrutura narrativa para criar uma obra teatral. veja você, foi tateando o universo eletrônico com a obra do Machado que eu fui parar lá, no começo de tudo, no teatro… (do que é capaz o Grande Bruxo do Cosme Velho…).
como eu transito também pelo teatro, não foi difícil me juntar a uma equipe teatral para moldar esse espetáculo. minha versão contemplava os cinco personagens centrais, mas, nessa primeira montagem, transformamos a encenação em um monólogo… tinha tudo a ver, pois o foco do roteiro era tentar retratar as camadas da solidão daquele homem refém do seu meio, das escolhas que ele fez e, principalmente, das escolhas que ele deixou de fazer.
fizemos um belo espetáculo, elogiado… “de primeira”… mas quando essa aventura terminou, eu seguia intrigado com o Dom, o livro… insatisfeito… e achava que eu ainda não tinha colocado em discussão uma outra camada até mais profunda, na minha opinião, do que a que tínhamos explorado… uma obra prima tem dessas coisas… inesgotáveis… aí, eu comecei tudo de novo… juntei uma outra equipe, pegamos o meu texto… a mesma versão… e passamos a olhar para as camadas do desejo que triangula pela relação de Bentinho, Capitu e Escobar… convidamos um elenco alinhado com esses três personagens e estamos trabalhando nessa montagem que deve estrear em maio de 2020.
agora o livro DOM CASMURRO, O FILME! estou cada vez mais focado em criar projetos para jovens-adultos e adultos… e queria fazer um livro que transitasse pelas áreas por onde trabalho: literatura, teatro e audiovisual. queria fazer um livro sobre as aventuras e desventuras das filmagens de um longa metragem… discutir a efemeridade do sucesso eletrônico, medido pelo número de pessoas que você consegue alcançar e não necessariamente pela qualidade do conteúdo que você oferece…
quando eu era garoto, a maioria dos meus ídolos eram super-famosos, mas tinham sucesso pela qualidade artística dos seus trabalhos… livros… músicas… melodias… arranjos… músicos… interpretação como atrizes ou atores… o que tornava as pessoas populares era o talento e não só o carisma, a beleza, as brigas, os casamentos… o jatinho… as caras e bocas, os hates e os likes…
no meu novo projeto, eu queria contemplar um pouco essa questão da consistência, da qualidade e essa nova ordem mundial… aí, eu cheguei à obra do Machado de novo… achei que criar uma ficção sobre as filmagens de Dom Casmurro, isso poderia dar para a minha obra a possibilidade de discussões, reflexões e a amplitude que eu gostaria…
assim, criei um livro onde um diretor de publicidade bem sucedido internacionalmente, contrata uma das maiores produtoras de ficção do audiovisual brasileiro para ajudá-lo a filmar DOM CASMURRO, mantendo a estrutura narrativa do livro… porém roteirizada por um cara premiado internacionalmente pelas séries que escreveu para o streaming… e protagonizada por um ator de teatro um tanto quanto disfuncional, uma atriz jovem e muito talentosa que fez muito sucesso na TV a tem como ‘patrimônio midiático’ 20 milhões de seguidores nas redes sociais e um ator português de prestigio internacional…
com esses personagens e esse núcleo de atores fazendo o filme dentro do livro eu consigo falar sobre quase tudo o que me interessa atualmente. e o legal que dentro do meu livro, além de trechos de DOM CASMURRO roteirizado para ser filmado (na ficção), há o cotidiano do ator de teatro fazendo Hamlet, da atriz de TV ‘bombando’ na reta final de uma novela, com os detalhes do que ela ‘vive’ nos
bastidores mostrando que nem tudo são flores… e o comportamento de um astro internacional que vem filmar no Brasil…
dado o meu trânsito por esses ‘mercados culturais’ e pelo temperamento do livro, haverá a possibilidade de levarmos o livro, a obra de Machado e a peça de teatro para escolas, teatros… e países onde a língua portuguesa e literatura brasileira sejam estudadas… enfim… estão se abrindo várias oportunidades…
está sendo uma grande aventura acompanhar a criação e produção desses dois projetos… vamos ver aonde eles nos levarão…
LabPub – você se sente ajudando a editora na divulgação, ao explorar essas possibilidades? Há conversas sobre isso com os editores?
Toni Brandão – trabalhar junto, em equipe é muito mais legal… acho que buscar imprimir o máximo de qualidade aos projetos é o mínimo que podemos fazer… tenho muita sorte de poder trabalhar com editoras (tanto a empresa quanto a pessoa, a maioria das minhas editoras são mulheres) muito competentes, afetivas e sensíveis com o meu trabalho e com seus próprios trabalhos… que entendem as minhas escolhas… eu as/os ouço muito… aprendo muito com elas… a troca de ideias e impressões é sempre muito legal… acho que essa questão de divulgação, se nos fizermos o nosso melhor com amor e competência, se oferecermos o nosso melhor, não tem como dar errado… é preciso trabalhar muito por elas, mas as coisas acabam achando organicamente seus lugares.
Toni Brandão – Houve mudanças no texto nesse processo até a publicação?
não. só questões de revisão. antes de entregar o original, sim… eu mexo e remexo… faço vários tratamentos… até o próprio livro chegar aonde ele quer estar… eu procuro não atrapalhar a história… e depois, não atrapalhar a editora no trabalho de edição…
LabPub – Você trata como as questões de design?
Toni Brandão – eu faço algumas sugestões para as editoras, mas prefiro que escolhamos juntos o que é o melhor para o projeto. fica muito mais legal…