Nós, os sinistros
A primeira palavra que vem à cabeça quando penso na minha canhotisse é: adaptação. O mundo evoluiu enquanto os séculos passavam, os canhotos pararam de ter suas mãos dominantes arrancadas, mas ainda precisam se adaptar a uma sociedade pouco acostumada com as diferenças.
Desde pequena, minha mãe contava a história da dislexia do meu tio, adquirida depois que o forçaram a usar a mão direita. Dessa época pra minha infância, sinto que esse tipo de preconceito diminuiu e as diferenças quanto ao lado predominante passaram a ser “somente ignoradas”, de modo que prevalecia a cultura do “vire-se”. Assim, aprendi naturalmente a usar a tesoura, o mouse e a marcha do carro, tudo com a mão direita – mas a lata de milho continuava a abrir com a mão esquerda fazendo um estrago danado. Até hoje fico com meu dedo mindinho todo sujo de caneta pra escrever à mão, mas quanto a isso já inventaram o computador pra gente parar com esse hábito terrível de fazer letra cursiva. Acredito que hoje esteja mais fácil encontrar mesas de sala de aula pra canhoto, raras na minha época, ou manivelas pra abrir as latas de conserva. Mas se falta paciência pra procurar, a ordem é a mesma: adapte-se, adapte-se, adapte-se.
Eu descobri que desde 1976, existe o dia internacional do canhoto, criado – por acaso – no Reino Unido, como forma de conscientizar sobre o preconceito que cerca de 10% da população ainda sofre por não usar o lado direito do corpo.
O preconceito diminuiu sim, mas, no dicionário, canhoto ainda é sinônimo de sinistro ou inábil. Apesar disso, não me sinto solitária por ser canhota, tampouco me incomoda o fato de ser um pouco diferente.
Dentro da minoria de canhotos no mundo tem gente muito legal, tem a minha cunhada, a colega de trabalho, a estagiária, e o meu tio, que depois da terapia voltou pra canhotisse. O Senna, o Machado de Assis e a Marilyn Monroe também eram sinistros, assim como o grande Sir. Paul McCartney, o Bill Gates e o Obama!
Acho que não cheguei a dizer qual foi o dia escolhido pra ser o dia do canhoto. Gosto de pensar que a data foi criada por um de nós que, numa simbólica sexta-feira, cansado de negar sua condição de diferente, vestiu a camisa e marcou certeiro: 13 de agosto. Número e mês sinistros, como falam que nós somos. A crítica virou a nossa bandeira, eu li em algum lugar.
Laizza Lemes