Entrevista: Roger Mello e as editoras
O mais premiado autor & ilustrador brasileiro no exterior conta nessa conversa como cada pessoa do processo editorial é tão artista quanto o autor e dá voz às narrativas.
Ganhador do prêmio Hans Christian Andersen, de vários Jabutis, hour concours da FNLIJ, entre muitos outros reconhecimentos importantes, o escritor e ilustrador Roger Mello conta nessa conversa um pouco de sua relação com as editoras. Quem já o viu em ação no processo editorial sabe: ele é dedicado ao extremo, atento aos detalhes, não quer menos do que o melhor possível para os leitores, o que ocorre num ambiente sempre leve, de respeito e integração.
LabPub – Roger, como você lembra de sua primeira publicação em livro? Que obra foi, que editora e, principalmente, como você se recorda dos primeiros contatos com um processo de edição, suas impressões.
Roger Mello – O primeiro livro foi bastante fora do comum e prazeroso no processo. Uma amiga, a Fátima Portilho, que trabalhava com saneamento público consciente, a relação de limpeza urbana participativa, teve a ideia de fazer uma história, história inventada mesmo, em que um menino tenta conversar com o pai. Mas entre o pai e o menino, existe um jornal. Naquela época só havia jornal de papel. Sem as versões digitais. O nome do livro era A Bolinha de Jornal e foi editado pela Editora Estação Liberdade, eu fiz as ilustrações. Os meus outros projetos, de livros sem palavras ou histórias que escrevi e ilustrei ainda estavam na gaveta. Desses, o primeiro a ser publicado foi A Flor do Lado de Lá.
LabPub – E como é atualmente seu trabalho com as editoras? Seus livros têm particularidades de muita atenção, por causa da complexidade das ilustrações. Então, questões de diagramação, cor, disposição do texto, qualidade de acabamento etc. Fale um pouco sobre isso, porque a conversa sempre esbarra nas questões de custo, não?
Roger Mello – Falando especificamente dos criadores que trabalham com a narrativa visual, gosto muito de falar obre ela. E sabendo que cada artista sabe a dor e a delícia de ser o que são, como diria o poeta, vou me usar como um exemplo. A cabeça de cada ilustradora ou ilustrador é um mundo e isso tem a ver com a diversidade da feitura do livro. O livro é diverso. Existe uma rede que envolve várias pessoas, vários artistas, não somente ilustradores. O técnico do universo gráfico talvez seja o maior artista, vou te dizer. O ilustrador, ilustradora, o diagramador, diagramadora, dependendo da técnica e processos que utilize, se envolvem de forma solitária, até um certo ponto. É um mergulho e uma explosão. Às vezes o processo é tão vivido que a linha narrativa visual se faz mais naturalmente. Eu diria que mesmo aí acontece uma micro-explosão (risos). Existe toda a parte de acompanhamento gráfico que conta com a multiplicação do objeto livro, o acompanhamento das cores, a visualização, a escolha do papel, onde cores se expandem de forma diferente e o objeto muda de espessura e toque. Sabia que não é a gente que toca no livro? O livro é que toca na gente. O objeto livro é uma seriação de gravuras a partir daqueles primeiro desenhos, os originais, num diálogo com as palavras diagramadas (elas também são imagens, às vezes esquecemos disso). Se este objeto não reproduzir o processo de imersão e loucura, ele não chega a ser pleno. Meio confuso, né? É simples, na verdade. O meu trabalho, por exemplo, é solitário, grande parte do tempo, exige pesquisa tanto de conceito como também uma pesquisa de aprofundamento e da filosofia da ilustração. Essa pesquisa ocorre de maneira natural. Quando vejo, estou colecionando ideias. Ah, mas sempre faço desenhos sem ver referências. Às vezes, esse desenho livre é o que fica. Queremos entregar realmente o nosso melhor para as crianças. Assim como as crianças que capricham e acreditam no seu desenho como uma maneira de conversarem, de calarem. Isso pede tempo. O trabalho de todos os artistas que participam da confecção de um livro no editorial e na área gráfica, diagramadores, produtores gráficos, operadores, técnicos é fundamental, repito, são todos artistas, e sem eles a narrativa se cala. Aí vem a segunda explosão, quando a leitora, o leitor passam as páginas do livro e se transformam também em autores daquela narrativa visual.
Quer conhecer melhor a trajetória de Roger Mello por ele mesmo? Assista:
https://www.youtube.com/watch?v=IBEpeyWSI0U