Aquela água toda, João A. Carrascoza

By 4 de março de 2020 Blog

Aquela água toda, João A. Carrascoza

Conheça a trajetória desse livro que foi publicado como uma peça de arte, ganhou prêmios e mais prêmios, caiu “na escuridão” mas foi resgatado e segue brilhando em seguidas reimpressões.

João Anzanello Carrascoza realiza uma coisa muito difícil para escritores: ele cria o belo sem ser óbvio e ganha crescente reconhecimento sobre essa habilidade. O resultado é o que há de mais raro e mais alto na relação entre leitor e texto, que é a sensação de que aquilo só podia ser escrito daquela maneira, de que não há nada mais bonito, de que ver daquele jeito o mesmo mundo de todo dia, de repente é completamente novo. Para isso não recria palavras – não é de neologismos que estamos tratando aqui. As palavras são essas que a gente usa no elevador, no escritório, em casa. Mas torcidas, invertidas, colocadas na página como o barro mais elementar vira escultura e encanta. E também fere. Esse belo é carregado das dores da vida humana, nas entrelinhas, na base das histórias. O conto “Aquela água toda”, que dá título ao livro primeiro publicado pela CosacNaify em 2012 e atualmente pela Alfaguara, é um dos grandes exemplos do valor desse importante autor brasileiro.

“Quando percebeu, o sol era suave, a praia se despovoara, as ondas se encolhiam. Hora de ir, disse o pai e começou a apanhar as coisas. A família seguiu para a avenida, o menino lá atrás, a pele salgada e quente, os olhos resistiam em ir embora. […] Então aconteceu, finalmente, o que ele tinha ido viver ali de maior. Despertou assustado, o cobrador o sacudia abruptamente, Ei, garoto, acorda!” [trechos do conto “Aquela água toda”]

Conheça a história desse livro, pelo autor:

LabPub – Sobre seu livro Aquela água toda de contos: depois de pronto você apresentou para muitas editoras ou já havia uma combinação com a CosacNaify?

João A. Carrascoza – Eu havia publicado os últimos dois livros de contos até então, Espinhos e alfinetes e Amores mínimos, pela Record. Mas, como a CosacNaify tinha lançado anos antes a antologia de meus contos O volume do silêncio, numa edição muito bonita e bem cuidada, ocorreu-me de oferecer Aquela água toda para a Isabel Coelho, então editora lá não apenas de literatura infantil e juvenil, também de algumas obras para o público adulto, como foi o caso do livro Vermelho amargo, do Bartolomeu Campos de Queirós.

LabPub – Como foi sua participação no design do livro? A primeira edição tem detalhes muito marcantes. E quanto aos textos? Como foi seu contato com o editor/editora, houve mudanças no texto? O que e como lembra desse trabalho?

João A. Carrascoza – Isabel Coelho atuou junto à editoria de arte da CosacNaify, briefando a equipe, que sugeriu convidar não uma ilustradora já conhecida do mercado editorial, mas uma artista plástica, Leya Mira Brander, cuja obra tem na delicadeza um de seus traços. O projeto evoluiu dentro da editora, ganhando depois a ideia de se fazer uma capa em papel de seda, e as ilustrações também em cadernos com esse papel, igualmente refinado e sutil, seguindo as características nucleares das próprias histórias. Eu atuei nesse ponto validando apenas as soluções da editoria de arte. Com a participação da Leya Mira Brander, fizemos juntos um lançamento na Livraria Martins Fontes, na Avenida Paulista, com leitura de um dos contos pelos atores do Teatro da Travessia, que haviam encenado uma peça baseada nos contos do meu livro Dias raros. E, depois, realizamos outro lançamento na Galeria Vermelho, na qual as ilustrações originais ficaram expostas. Quanto ao texto, houve apenas uma inversão: o livro começava com o conto “Cristina”, seguido de “Aquela água toda”, que puxei para a abertura, dando de saída o tom do volume.

LabPub – E quando a Cosac fechou, foi longo o processo para definir uma nova editora?

João A. Carrascoza – Foi como ver minha obra cair numa escuridão, já que eu era o autor brasileiro com mais livros publicados pela Cosac: quatro e um outro entrando para a produção: O volume do silêncio, Aquela água toda, Aos 7 e aos 40, Caderno de um ausente e Menina escrevendo com pai (que, no contrato com a Cosac, assinado dias antes do anúncio do fim da editora, tinha o título de Livro de presença). Duas editoras se interessaram em reeditar esses livros, mas, ao meu ver, eles continuariam à sombra, razão pela qual não aceitei. A escuridão só se desfez meses depois, quando publiquei Diário das coincidências, pela Alfaguara, que se propôs a relançar os livros da Cosac, inclusive o inédito A pele da terra, que compunha com Caderno de um ausente e Menina escrevendo com pai a Trilogia do adeus. Só ficou de fora O volume do silêncio, cuja publicação eu já acertara com a Editora SESI-SP.

LabPub – Em sua obra até agora, como você dimensiona a importância desse livro (Aquela água toda), com relação aos demais publicados?

João A. Carrascoza – Foi um marcador indiscutível na minha trajetória, me alertando para ter uma proximidade maior com as editoras a fim de alcançar invariavelmente uma harmonia entre o conteúdo literário e a forma gráfica. Aquela água toda, por essa conjunção texto e imagem, me levou à FLIP daquele ano (2012), e recebeu, em seguida, os prêmios APCA, Jabuti, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o internacional White Ravens. Na sequência, vieram as traduções para o francês, pela editora suíça Joie de lire, e para o espanhol. Mas o prêmio maior é que a edição atual, da Alfaguara, com as lindas ilustrações do Rodrigo Visca, segue ganhando reimpressões.

AQUELA ÁGUA TODA
João Anzanello Carrascoza
Editora Alfaguara

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