Previsões editoriais e a função do editor
Logo no início do ano, a convite do LabPub, estive com as amigas e profissionais Cassia Carrenho, Camila Cabete e Cristiane Gomes para discutir, como em um exercício, as “previsões editoriais” para o ano que se inicia. Pouco antes de o evento começar, o lugar estava cheio. Estudantes, editores e amigos vieram debater um futuro que parece estar sempre mais distante e, em tempos difíceis, cada mais difícil de imaginar.
Obviamente, prever o que vem por aí é uma falácia. Mas o estudo de tendências e a construção de hits e best-sellers é uma ciência aplicada ao dia-a-dia do editor, este ser que diariamente estuda para saber o que o público quer, o que deveria querer e o que ele nem sabe ainda que vai querer.
Ser editor de aquisição é perceber o agora e tentar transpor para o futuro, perceber mutações, evoluções e desistências. Imaginar como certo tipo de leitor vai reagir a uma mudança cultural. É adaptar possíveis desejos à realidade. Nunca foi fácil, mas em um momento em que percebemos que a globalização “nichou” o mercado (taí uma previsão que ninguém fez) e que se você não é parte de um nicho dificilmente irá tomar conhecimento de que ele existe, isso parece uma tarefa impossível.
Mas não é. O que dificulta, e muito, é que a maioria das editoras aos poucos vai sendo domada ao poder do mercado, aos pedidos comerciais e à garantia de vendas. Argumentos como “Vai vender para o público de…”, “É para os fãs de…” vão dando lugar a projetos originais que poderiam criar mais nichos, mas que são abafados pelo grande risco do mercado. Livrarias dificilmente investirão em algo muito novo, e o leitor, em um momento de crise, prefere o conforto do “livro novo do autor conhecido” ao risco de pagar por algo que não vai satisfazê-lo. No fim, o editor opta pelo caminho seguro.
Assim, como o editor vai investir no novo?
Tive a honra de trabalhar com uma das maiores pesquisadoras de tendências, editora e book hunter que este país já teve. Vivian Wyler trabalhou por mais de trinta anos na Rocco, que possuía um catálogo extenso que ia de JK Rowling a Julian Barnes. Tudo passava por ela. Se líamos um bom livro, ela defendia a sua aquisição imediata; mas, se líamos algo ruim, ela nos fazia refletir sobre a obra. Porque o scout nos ofereceu este livro? Há um caminho? Podemos ler outra coisa que aponte por esta tendência?
Por quais novos caminhos o jovem que está lendo Extraordinário irá se interessar em cinco anos?
Leitoras de Chimamanda evoluirão para o feminismo didático ou irão procurar ficção?
Livros de colorir são um desejo do mercado de se desligar dos aparelhos digitais?
Por que o novo thriller é centrado em uma personagem feminina de personalidade duvidosa?
O Nobel deste ano aponta para qual direção?
Foi através desse tempo que passei com ela que procurei questionar praticamente toda a obra que caía em minhas mãos, e muita coisa deixou de ser em vão. Pensávamos o caminho e seguíamos adiante, na maioria das vezes, com sucesso.
Então, se não podemos prever o futuro, podemos questionar o presente. Acho que é a melhor definição da função do editor. E o maior facilitador. Pensar que o que está sendo lido/visto/compartilhado agora será a referência dos livros futuros é uma regra que dificilmente será quebrada. Obviamente que não só de estratégias de conteúdo vive a publicação. Mas falaremos disso em outro artigo.
Mariana Rolier é gerente editorial internacional da HarperCollins Brasil e coordenadora de conteúdo da #LabPub. Com dezenove anos no mercado editorial, Mariana já passou por todas as etapas da construção do livro e foi responsável por best-sellers e livros premiados. Ama o que faz, mas também ama histórias em quadrinhos, filmes B, bordados e máquinas de costura.
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