A declaração de amor de Taty Leite
A estrela do canal VÁ LER UM LIVRO, presença frequente aqui na LabPub, escreveu sobre sua relação íntima com o móvel preferido de nossas casas, a estante de livros.
Por Tatiany Leite
Enquanto escrevo, Pagu me olha.
Meus avós tinham um cômodo com livros até o teto. Na cabeça deles a organização poderia ser funcional, mas aquele era um mundo paralelo: estantes de ferro, prateleiras, armários, móveis fora do lugar, livros de ponta cabeça… Um dia, com a tecnologia, minha mãe resolveu tirar um dia para que catalogássemos livro a livro, inclusive com a respectiva etiqueta de seu dono, o que serviria para evitar possíveis brigas. “Flávio, comprei esse livro quando estava naquela viagem, não tá lembrado?”.
O quarto/biblioteca, se antes caótico, por algumas muitas horas virou um tornado de poeira. No meio, três adultos e uma criança, cada um com seu objetivo claro: Dos avós a separação e limpeza, da mãe a catalogação e da criança o perder-se.
Enquanto cumpria minha função com muito sucesso, vendo capas e tentando surrupiar um ou outro título para a minha própria leitura (inclusive alguns com capas sedutoras, que me causavam uma tremenda curiosidade infantil e inalcançável), pensava em como seria quando tivesse a minha própria bagunça literária. Quanto tempo eu precisaria para juntar tantas obras, cheiros e lembranças?
São quase vinte anos desta cena. E a sensação segue aqui, apontada em mim, acessível. Isso sem contar do dia em que descobri que mudaríamos a biblioteca do sítio de meu bisavô para outro cômodo da casa. O novo espaço, construído do zero, em cima de um quintal que antes era aberto, tirou o buraco-residência de um lagarto que ali morava, o que causava em mim uma certeza de que aquele pequeno animal seria capaz de ler todos aqueles livros em latim, como os personagens de Lewis Carrol. Infelizmente nunca mais vi o bicho, mas essa história fica para outro texto.
O que faço, enquanto exponho essas lembranças, é pensar no jeito que construí o meu próprio espaço. Com livros misturados com artesanatos; moedas de lugares que não visitei; fotos de pessoas que nunca conheci. Sem contar com os livros etiquetados de rosa, assim coladas para que não fossem roubadas por meu pai viciado. Adesivos ainda hoje mantidos para que contem sua própria importância.
Enquanto escrevo e tento colocar em palavras a intensidade desse meu pequeno espaço, Pagu me olha com seus olhos de fazer doer, enquanto Manoel de Barros ri. Mas, sem dúvida, a mensagem mais importante é a do letreiro que tem luz própria: Vá ler um Livro. É o que está escrito. Não importa qual, não importa onde, não importa com quem, eu completo.