Crocodilo, de Javier Arancibia Contreras

By 1 de abril de 2020 Blog

Crocodilo, de Javier Arancibia Contreras

Reavaliar o estar no mundo. Se isso já ocorre a muitos de nós normalmente, nesse momento parece mais urgente. É uma das características desse premiado romance.

Com vocês, mais uma vez, o autor. Esta seção que já recebeu João Carrascoza, Nanete Neves e Lúcia Hiratsuka agora tem o relato de Javier Arancibia Contreras sobre seu mais recente romance publicado, Crocodilo (Companhia das Letras, outubro de 2019) – uma história forte, que narra sete dias de um homem após o suicídio do filho, a questionar seu estar no mundo, o próprio mundo. Essas descrições sobre o que é literário, claro, são muito pouco. Mas é o suficiente agora para recomendar a leitura tanto do livro quanto deste depoimento sobre o caminho da obra até a publicação (e o prêmio que já ganhou, da APCA).

https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=14672

LabPub – Crocodilo, seu livro mais recente, alcançou boa repercussão logo de cara, o que não ocorre sempre, nem mesmo entre autores de grandes editoras, como a Companhia das Letras. Você já esperava?

Javier Arancibia Contreras – Não. Honestamente, enquanto escritor, a única expectativa que eu tenho após a publicação de um novo livro é conseguir atrair mais leitores. Passo a passo, livro após livro. No processo de escrita não penso em nada além de tentar escrever a minha história, do jeito que quero, com a minha identidade artística. Passada essa fase, após a publicação, o sentido de um livro sempre será os leitores. Os livros existem porque existem os leitores. É uma coexistência. E acho que, enfim, após três romances, estou consolidando isso com “Crocodilo”. Nunca recebi tanta mensagem de leitores com comentários elogiosos ao livro. Da parte da crítica, também nunca tive tanta repercussão nos grandes jornais do país (Globo, Estadão, Folha, Zero Hora, Correio Braziliense, etc), além de veículos literários importantes (Rascunho, Suplemento Pernambuco, etc) e blogs/canais literários da internet. Isso tudo provoca um movimento de descoberta do livro junto ao público, que nos parâmetros do mercado editorial brasileiro, infelizmente é algo não muito comum. Junto a isso, veio também a minha primeira premiação, o Prêmio APCA de melhor romance de 2019, que é um reconhecimento muito importante da crítica especializada em literatura que eu nunca imaginei que fosse ganhar. Claro que isso deu ainda mais fôlego ao “Crocodilo”.

LabPub – Conte por favor um pouco do caminho desse livro: há quanto tempo a história te habitava? quanto tempo de processo, entre escrita e reescrita? A aceitação pela editora foi tranquila? Houve mudanças sugeridas pelo editor/editora?

Javier Arancibia Contreras –  “Crocodilo” é daqueles livros que nascem sem pedir licença. De supetão. Eu escrevia outro livro, com um teor mais político, quando simplesmente travei. Não conseguia mais desenvolver a outra história. Um dia, a frase que inicia “Crocodilo” me veio à cabeça, abri um novo arquivo no word e escrevi:  “Hoje, meu filho Pedro pulou da janela de seu apartamento”. À princípio eu não sabia bem o que significava e onde aquilo podia parar, mas fui em frente, ainda que no escuro. Isso porque meu processo criativo sempre foi caótico, emocional, sem amarras ou arquiteturas narrativas elaboradas. Priorizo sempre a história que quer ser contada. E assim foi. Escrevi a primeira versão do livro em três meses, o que não é normal pra mim, que sou um escritor lento, que gosta de trabalhar a palavra e reler sempre. Mas “Crocodilo” tinha uma característica diferente dos outros livros que escrevi. O tema “suicídio” e todo o seu entorno – paternidade, relações familiares, conflitos internos – é muito pesado e urgente. E eu entrei de cabeça nisso, fazendo o processo de escrita ser bem tenso e sufocante pra mim. Eu queria terminar aquilo o quanto antes. Muitos leitores e críticas corroboraram essa impressão depois: um livro que flui muito bem e rapidamente, mas com uma carga dramática emocional muito intensa.

Em relação à publicação, como já havia publicado meu livro anterior pela Companhia das Letras – Soy Loco Por Ti, América (2016) – enviei a eles e foram receptivos. Para quem está entrando no mercado editorial, porém, uma informação. Estar em uma grande editora não significa contrato vitalício. Se a editora não gosta do seu livro, não tem obrigação de publica-lo. Há vários casos assim.

A reescrita e o processo de edição foi bem mais tranquilo. Poucas e pontuais sugestões que cabia a mim decidir ou não aceita-las. Quando há um entendimento e uma sincronicidade entre escritor e editor tudo fica mais fácil. Não há pressões de um lado ou de outro. Tudo é feito para que o livro fique melhor. As minhas experiências com os mais diversos editores que tive foram todas ótimas. O livro sempre em primeiro lugar, como deve ser.

LabPub – Compare esse processo com o dos primeiros livros seus.

Javier Arancibia Contreras – Bem, o começo é sempre mais difícil, mas faz parte do processo da busca do escritor por seu espaço. Meu primeiro livro foi um livro-reportagem chamado “Plínio Marcos – a crônica dos que não têm voz”, publicado em 2002 pela Boitempo Editorial. Naquela época, começo dos anos 2000 a única coisa que existia era e-mail para entrar em contato e correios para enviar o livro. E na maioria das vezes não há um retorno das editoras. Posso dizer que tive muita sorte, mas fui atrás do meu sonho de publicar o livro, que começou como um TCC do meu curso de Jornalismo. Eu literalmente cerquei minha editora, a Ivana Jinkings. Fui até a sede da Boitempo, tomei um belo chá de cadeira, mas fui recebido por ela, que gostou do projeto e dois anos depois o livro foi publicado. Ao escrever meu primeiro romance, Imóbile, em 2007 fiz o mesmo trabalho, indo pessoalmente às editoras, mas dessa vez não fui recebido por ninguém. Deixei o original livro e não obtive nenhum retorno. Por fim, decidi enviar à editora 7Letras, no Rio, que tinha e ainda tem a importante missão de publicar jovens autores. O romance foi aprovado e publicado. No ano seguinte fui finalista do Prêmio SP de Literatura pela primeira vez. Depois vieram processos parecidos até eu receber a proposta de ser agenciado pela MTS Agência Literária, em 2012, logo após eu figurar na “Granta – Os Melhores Escritores Jovens Brasileiros”. A partir daí quem cuida disso é a agência.

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